“He
wears a mask, and his face grows to fit it”.
(George
Orwell)
Jennifer
Siebel Newsom em 2011 escreveu, produziu e dirigiu o documentário
"Miss
representation", a
respeito da má representatividade feminina, cuja poderosa
reperscussão culminou na criação do "The
representation project", um
projeto que utiliza as mídias como catalizadoras de uma
transformação cultural.
Nesse
sentido em 2015 ela lançou sua segunda produção fílmica: "The
mask you live in". Dessa
vez aborda
sobre a masculinidade heteronormativa hegemónica e os seus possíveis
danos à sociedade, a todos os sexos, mas dando ênfase aos meninos,
em razão da imposição dos conceitos patriarcais sobre a
tradicional masculinidade—tomando a famosa frase de Simone de
Beauvoir analogicamente: não se nasce homem, torna-se homem— no
intuito de mostrar que outras masculinidades são possíveis.
O
documentário explora de forma bastante sensível como a construção
de conceitos herméticos e estereótipos de masculinidades afetam a
vida de incontáveis meninos e jovens em todo o mundo,
prejudicando-os em seu desenvolvimento psicológico e emocional ao
longo da vida. É uma fratura exposta no sistema de repressão e
pressão emocional em que são criados e desenvolvidos os homens na
sociedade patriarcal em que vivemos, na qual são ensinados desde
pequenos a "não chorar" (pois é "coisa de menina")
e a "ser um homem". Mas o que significa ser um homem?
Será que ser um homem é ser agressivo, insensível, ter habilidades
atléticas, pouca inteligência emocional e ter o dom dos números e
da engenharia, ou isso é representativo das construções de
estereótipos e das narrativas limitativas de gênero, e de sexo,
desenvolvida por nós ao longo do tempo?
Frases
como "boys don't cry", "be a man" e "man up"
são umas das mais destrutivas da nossa cultura e não passam de
construções de linguagens para silenciar meninos e homens, o que,
junto com os estímulos de videogames violentos, exaltação poética
dos arquétipos masculinos na televisão, no cinema, nas mídias em
geral e músicas que incitam o machismo e a misoginia, são um
terreno fértil para a violência florescer. É preciso que fique
claro que a masculinidade patriarcal hegemônica não é orgânica, é
reativa, ou seja, os homens demonstram mais agressividade e menos
empatia porque são socializados assim. É uma reação às nossa
ações (ou à falta delas): à criação deficiente dos pais, à
ausência de educação escolar sexual (que inclua igualdade e
diversidade) e emocional e o estímulo ao consumo de mídias
violentas, o que culmina em uma hipermasculinidade nociva.
Nós
construímos uma forma de masculinidade tão fragilizada que os
jovens sentem a necessidade de prová-la o tempo todo, seja ao
praticar "bullyng", atos de vandalismo, usar drogas ou
assediar mulheres. E muitas vezes quando o menino se nega a praticar
"bullying" ou outros atos para "provar a sua
masculinidade" ele passa a sofrer o "bullying", por
não se encaixar no que documentário chamou de "caixa da
masculinidade" (os tão famosos estereótipos), o que muitas
vezes pode levar a depressões e inclusive suicídios.
Acredito
que seja o momento de repensar a masculinidade de uma forma mais
crítica e expandir/desconstruir o que significa ser um homem, o que
implica em incluí-los no processo de combate ao modelo hegemônico
de masculinidade e de tradição dos privilégios machistas
encabeçado pelos movimentos feministas, afinal o modelo masculino
atual é a raíz do problema de desigualdade e consequente violência
de gênero (a qual é vivida pelas mulheres, mas é de
responsabilidade dos homens).
Dessa
forma seria importante que o os homens percebessem a importância da
desconstrução da masculinidade hegemónica e fossem incluídos no
compromisso da referida luta a fim de serem conscientizados que seja
por ação, por omissão, cumplicidade ou indiferença são parte do
problema e que, por isso, devem ser parte da solução. Serem
conscientizados da importância da construção de novos modelos de
masculinidade que repercutam em uma mudança nas estruturas
patriarcais atuais, através de uma flexibilização desse modelo e
incorporação de formas mais sadias de se relacionar socialmente,
através da expressão de afetos, comunicação horizontal,
despatriarcalização do amor romântico, autocrítica, redefinição
de papeis de gênero e formas alternativas e pacíficas de resoluções
de conflitos, o que já vem sendo entendido pelo chamados "nuevos
hombres",
ou seja, os homens igualitários afetados pela atual crise de
masculinidade e que marcham nas ruas ao lado das mulheres por uma
cultura mais saudável e consequentemente uma sociedade mais
igualitária.
Em
suma, acredito que essa questão deve ser tratada de forma inclusiva,
empática e pluridisciplinar e que sua resolução deve recair sobre
a sociedade enquanto estrutura coletiva, não excluindo os homens
(que se identificam com os feminismos) dos movimentos feministas
apenas por serem homens. É certo que os homens não precisam
enfrentar metade dos medos, frustrações e discriminações que as
mulheres precisam enfrentar no decorrer da vida, contudo as mulheres
também devem se conscientizar que os os homens também têm, como
demonstrado no documentário, fragilidades pessoais para lidar, cuja
intersecção entre ambas as questões é o machismo.
Esse sim o verdadeiro inimigo a ser combatido para a construção de
uma "nova
sociedade".
Ana Luiza Tinoco
Mestra em ciências criminais na universidade de Coimbra e doutoranda em estudos de gênero no Instituto de Ciências Sociais e Politicas da Universidade de Lisboa.
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