Eu não sou um homem fácil: uma criativa crítica ao machismo

“Eu não sou um homem fácil” é um filme francês, lançado recentemente e embora o título pareça ser, a princípio, de uma comédia machista travestida de feminista, rapidamente revela-se o verdadeiro objetivo da trama que é justamente o oposto. Com uma proposta extremamente interessante, mostra o machismo sob o prisma de uma sociedade em que os papéis são invertidos e as mulheres representam o sexo majoritário detentor de todo o poder.
Nesse cenário, é contada a história de Damien (Vincent Elbaz), sujeito representante oficial do típico estereótipo machista, “conquistador”, o qual desrespeita e reifica mulheres e as trata como objetos que tem por obrigação a satisfação dos seus prazeres libidinosos. Assim, acontece uma reviravolta quando a vida escolhe dar uma lição em Damien de um modo não tão gentil: em um dos seus momentos de assediar garotas ele se distrai, bate a cabeça em um poste e desmaia. A partir de então, acorda em um mundo totalmente diferente do que estava acostumado, e ainda que permaneça com os mesmos amigos e com o mesmo emprego, todos ao seu redor estão adaptados ao “novo mundo”.

Ao longo do filme são mostradas diversas situações em que há forte inversão de papéis e enquanto os homens ficam responsáveis pelas tarefas domésticas, as mulheres passam a ocupar os mais importantes cargos profissionais. A começar pela paramédica que o atendeu após o seu tombo, além dela, as garis na rua eram todas mulheres, o seu melhor amigo tornou-se dono de casa, a sua chefe passou a usar terno para trabalhar, a sua mãe passou a tomar conta do açougue
enquanto seu pai ficou trabalhando no caixa e comumente passou a ouvir “fiu-fiu” de mulheres.

Além disso, o corpo masculino passou a ser tratado de modo exageradamente sexual e uma prática muito comum passou a ser homens se depilando para adequar-se ao padrão imposto, uma vez que ter pelos representaria uma prática asquerosa e nojenta.  Nesse mundo invertido, em que o “sexo frágil” é o dos homens, os quais estão sempre cautelosos em suas atitudes para não serem julgados como “fora do padrão”, as mulheres arrotam, traem, assistem futebol, não são românticas e são extremamente respeitadas, correm nas ruas sem camisa e sem preocupação em sofrer assédio. Uma das mulheres, inclusive, Alissandra, a qual havia sido cantada por Damien no começo do longa, tornou-se bem parecida com a pessoa que ele menos esperava: ele mesmo antes do desmaio! Ela objetifica os homens, trata-os como meros pedaços de carne 
com intuito de obter prazer, e assim, o protagonista começa a sentir na própria pele as 
consequências dos seus atos repugnantes.

Damien ao longo do filme se adequa ao “masculinismo”, que no “mundo real” corresponde ao 
movimento feminista. É importante ressaltar que o termo utilizado não é
 “machismo”, evidenciando, assim, que o feminismo não é o 
oposto do machismo.
Ademais, há uma passagem bastante forte no filme, quando Damien é levado à boate gay, um ambiente exclusivo e frequentado por homossexuais que se vestem da forma que a “normalidade” do protagonista exige. Ou seja, as pessoas vistas como fora dos padrões são marginalizadas, e precisam de um local mais reservado aos olhos do público para se divertirem e mostrarem quem são de verdade e em qualquer mundo que seja, a sociedade sempre marginalizará o diferente.

Desse modo, a riqueza do filme consiste em proporcionar inúmeras reflexões, principalmente naqueles ou naquelas que acham que o machismo não existe. De um modo sutil e descontraído é retratada a difícil realidade em ser mulher na sociedade
 em que vivemos, e, ainda mais, do quão perigoso é padronizar o que quer que seja, tendo em vista que rótulos foram feitos para coisas e não para pessoas. Em uma sociedade enraizadamente patriarcal, inúmeras situações são vistas como naturais quando as pessoas constrangidas são mulheres, e quando são os homens a impressão majoritária é de choque, mas por quê? Justamente pela falta de costume acerca da igualdade entre os gêneros e pela naturalização do machismo. Por isso, o filme se torna extremamente educativo e necessário de ser visto.

Por fim, o pensamento elaborado pelo exímio Paulo Freire, “a tranquilidade dos opressores, é baseada em quão bem as pessoas se adaptam às do mundo que eles criaram, e quão pouco eles o questionam”, encaixa-se e resume perfeitamente à temática do filme, uma vez que é mostrada uma sociedade matriarcal de modo a criticar intrisecamente à sociedade patriarcal em que vivemos, concluindo, assim, que extremismo e intolerância geram 
consequências inenarráveis e necessitam urgentemente de desconstrução.
O filme encontra-se disponível na Netflix.

Olivia Medeiros
Participante do Cinelegis em 2018 

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