O que nos diz a menina do casaquinho vermelho

A menina do casaquinho vermelho1 é um dos símbolos do filme “A Lista de Schindler”, de Steven Spielberg (1993), o longa narra a história de Oskar Schindler, um empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus, durante o Holocausto, ao empregá-los em sua fábrica.

O filme é considerado, pela crítica especializada, como um dos melhores já feitos. Nele, uma das escolhas estéticas que mais chamaram a atenção foi o fato de ser quase todo em preto e branco. Segundo o diretor, isso traria uma atmosfera de documentário e seria a melhor representação para a época. Para ele, a cor é o símbolo da vida. Logo, um filme sobre o Holocausto tinha que ser em preto e branco.

Apesar disso, o vermelho é usado para distinguir uma menina com um casaco, andando apressadamente em busca de um lugar para esconder-se. Em cena posterior, ela é vista entre os mortos, reconhecida apenas pelo casaco vermelho que ainda estava usando.

A personagem foi criada a partir das memórias de Zelig Burkhut, sobrevivente do Holocausto. Ele contou ao diretor do filme a história de uma menina de casaco rosa, com não mais de quatro anos, executada por um nazista com um tiro bem em frente a seus olhos. Algo que jamais conseguiria esquecer.

No filme, a menina quebra nossa expectativa ao dar-nos um lampejo de cor e esperança, fazendo-nos crer que irá sobreviver. É justamente essa quebra de expectativa que faz Schindler mudar, tomar uma atitude. Quando ele vê a menina sendo mais uma na pilha de corpos para ser incinerado, sua expressão muda completamente. Minutos antes, ele viu as cinzas e a fuligem dos corpos em chamas se acumulando em seu carro, mas isso lhe causava apenas um simples incômodo.

Em tempos brutos, a imagem da menininha nos remete ao tema da democracia, aquele ideal que nos permite o direito de discordar porque as pessoas, de fato, não pensam igual. Em um sistema democrático, não há, pois, a uniformidade cinza das opiniões; algo que não é considerado ruim.

Assim como a cor forte do casaco da menina desperta a curiosidade do expectador, por vezes, na vida, deparamo-nos incomodados com a diferença; isso porque estamos tão presos a nossos interesses individuais, aqui e agora, que esquecemos do outro, dos muitos outros.

No decorrer da história, já tivemos muitas experiências de como é ter que pensar em uma única perspectiva, como na Idade Média ou em regimes totalitários (como o nazismo mostrado no filme). E já sabemos que não é bom, não é nada bom.

Devemos aprender a ouvir mais.

Temos a tendência de pensar que o outro discorda de nós ou por má fé ou por ignorância, mas lembremos que nem sempre é assim. Confiar que o outro pode estar sendo bem intencionado e inteligente também é uma alternativa.

Somos ricos em pessoas e ideias e em problemas difíceis. Num meio como esse, é preciso que eu tenha a grandeza de entender que outras pessoas podem pensar coisas importantes que eu não consegui pensar e que elas serão também capazes de trocar ideias comigo.

Não estamos prontos, talvez nunca estejamos, mas esse é um trabalho diário e de todos, que se mostra na maneira como nos portamos nos mais diversos lugares e nas relações interpessoais do cotidiano.

Quando a menina do casaquinho vermelho apareceu, ouvi-a dizer: Seja colorido(a), sem desprezar aqueles que optam por continuar sendo cinza, porque o desafio é este: sermos capazes de ocuparmos o mesmo espaço com respeito, dialogando nossas diferenças.

Suzana Melo - Direito/UFRN

1Assista as cenas editadas: http://www.youtube.com/watch?v=gAfjrKe0Z4I

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