Top 7: Mulheres Negras no Cinema


A história humana é recheada de massacre das minorias. Ser negro, mulher, gay, índio, vir de região menos abastada são algumas das condições mais hostilizadas pelos “grupos hegemônicos”, padecendo historicamente sobre as mais diversas formas de violência física, psíquica, ideológica e institucional.
            Mas de onde vem tanto preconceito? Do medo do diferente? Do desconhecido? Da ausência de uma educação humanística? Ou, na existência desta, de desvio de caráter? De um comodismo com o status quo? Ou de todas as possibilidades acima e tantas outras que preencheriam laudas e mais laudas?...         
            Fato é que o preconceito se enraíza nas mais variadas formas de cultura, manifesta-se nos hábitos cotidianos, entranha-se nas estruturas de nossos pensamentos ao ponto de se tornar “natural”, imperceptível. Mais do que isto, perpassa a nossa argumentação e transpassa gerações, fazendo com que muitos oprimidos aceitem e transmitam o discurso opressor.
            O perigo do preconceito (julgamento prévio negativo) encontra-se na possibilidade de sua transformação em posturas discriminatórias, seja em função da cor, gênero, raça, condição sexual, origem ou status socioeconômico, condutas juridicamente reprováveis e eticamente abomináveis.
Como se não fosse insuportável a carga que a pessoa portadora de apenas uma das supramencionadas condições tivesse que suportar, muitas enfrentam fardo maior ao cumularem diversas.
Umas das condições mais sensíveis está em ser mulher e negra, especialmente no Brasil, onde a discriminação se apresenta desde o acesso à educação, passando pela percepção de salários desiguais, desembocando no maior índice de homicídios. A título de ilustração, cabe mencionar que: (i) segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), dos 25 países com os maiores índices de feminicídio do mundo, 15 ficam na América Latina e no Caribe; (ii) em nosso país, homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013 (enquanto os casos com vítimas brancas caíram 10%);  (iii) No Brasil, mulheres brancas recebem 70% a mais do que negras, segundo a pesquisa Mulheres e Trabalho, do IPEA, publicada em 2016. Isso para não falar da violência obstétrica, da desigualdade econômica, do abuso sexual, da quase inexistente representatividade institucional, dentre outras.
Por outro lado, é farta a proteção da jurídica pátria da mulher negra, formada pela Constituição Federal ao bradar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I), garantindo-lhe incentivos mediante condições especiais no mercado de trabalho (art. 7º, XX), tomar como objetivo da República o combate à discriminação (art. 1º, IV) e como fundamento o repúdio ao racismo (art. 3º, VIII); pelo Código Penal, ao considerar como qualificadora do crime de homicídio aquele praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 121, §2º, VI), e punir com reclusão de um a três anos e multa o crime de injúria racial; dedicar uma lei própria ao imprescritível e inafiançável crime de racismo (Lei n. 7.716/1989) e outra voltada à coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha). Sem mencionar os inúmeros pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (ONU, 1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, OEA, 1994).
Contudo, a abundante legislação torna-se inócua quando os fatores sociais a restringe ao plano normativo, impedindo a sua concretização finalística.  
Acreditando que empatia é o elemento inicial de superação de nossos preconceitos, capacidade só desenvolvida mediante exposição e contato com o outro -  processo no qual a linguagem artística apresenta-se como preciosa aliada, elaboramos um “Top 7: Mulheres Negras no Cinema”, formado por mídias clássicas e contemporâneas que retratam as mais variadas lutas das mulheres negras, em momentos históricos igualmente diversos, na busca por autodeterminação.
Vamos à lista?

1 – HISTÓRIAS CRUZADAS (2011)
            Abrimos nosso Top 7 com uma delicada e bonita produção. Ambientada numa pequena cidade do Mississippe, numa época em que a sociedade américa convulsionava diante dos discursos de Martin Luther King, o longa retrata a história de Skeeter (Emma Stone) uma aspirante à escritora que se dedica a contar a história de mulheres negras que abandonam as suas casas e filhos, para cuidar dos da elite branca. O destaque está para a interpretação de Viola Davis no papel de Aibileen Clark, a primeira mulher que aceita ser entrevistada.


2 – A COR PÚRPURA (1985)
Este drama, baseado no livro homônimo de Alice Walker, não poderia estar fora de nosso top 7. O clássico retrata a vida de Celine (Whoopi Goldberg), mulher negra que reúne todas as suas forças para superação de uma vida de repressão, permitindo-se construir afetos e descobertas e romper com o silêncio que lhe fora imposto durante toda a sua vida por meio da escrita. Dirigido pelo renomado diretor, Steven Spielberg, A Cor Púrpura recebeu 11 indicações ao Oscar no ano de seu lançamento.

3 – PRECIOSA (2009)
Obesa, negra, analfabeta, moradora de periferia, vítima de violência sexual e sentimentalmente devastada, Claireece Preciosa Jones (Gabourey Sidibe) te levará por uma jornada de descoberta, resistência e autoaceitação. Ambientado no Harlem de Nova York dos anos 80, Preciosa é o filme perfeito para desenvolver sua empatia pelas causas cumuladas na protagonista, sendo quase impossível assisti-lo sem brotar lágrimas dos olhos e nós na garganta.

4 – AMERICAN VIOLET (2008)
            Pra quem pensa que a superação das formas tradicionais de escravidão em função da cor da pele pôs fim a luta pela igualdade racial, American Violet é um filme e tanto. Neste longa, a protagonista, Dee Roberts, que cumula as condições de mulher, negra, jovem e pobre, enfrenta um sistema judicial institucionalmente discriminatório para provar a sua inocência.

5 – KBELA (2015)
Curta-metragem brasileiro, discute o processo de auto identificação da mulher negra que, cercada pelo padrão de beleza europeu propagado como o ideal, enfrenta batalhas pessoais no abandono do processo de “embranquecimento”, uso do cabelo natural e descoberta da própria beleza.

 
6 – ESTRELAS ALÉM DO TEMPO (2016)
Para os amantes da meritocracia de plantão, este longa mostra que, por vezes, a capacidade profissional das mulheres negras, conquistada com esforço infinitamente superior quando comparado ao desprendido pelos homens e até mesmo pelas mulheres brancas, não é suficiente para superar o histórico de discriminação. O filme retrata a imprescindível colaboração de uma equipe de cientistas da NASA, formada exclusivamente por mulheres negras, durante a corrida espacial da guerra fria, cuja reconhecimento se “perdeu” no tempo. 

7 – O DIA DE JERUSA (2014)
Que tal finalizar com um toque mais suave? Problematizando os temas da velhice e solidão, o curta-metragem O dia de Jerusa abandona o contexto da violência, sem, contudo, deixar de passar uma mensagem de protesto, apresentando metáforas do cotidiano das mulheres negras. Além de ser formado por elenco todo negro, o filme foi dirigido e produzido por mulheres negras. Em 2015, foi o selecionado para a mostra de curta-metragem do Festival de Cannes.  

Adoraríamos que nosso Top 7 estivesse recheado por produções nacionais, afinal a parcela de mulheres negras em nosso país é formada por 50,2 milhões (PNAD/IBGE - 2011), contudo a participação delas ainda é tímida no cenário audiovisual, ocupando espaços recheados de estereótipos. Expressão dessa constatação está no nosso Top 7, no qual apenas curtas foram citados.
Por oportuno, relembramos trecho do emocionante discurso da atriz americana Viola Davis ao se tornar a primeira mulher negra a ganhar Emmy de melhor atriz dramática em 2015: "E deixe-me dizer uma coisa, a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem."
Concluímos com a poesia cantada “Mulher do Fim do Mundo” (2015), da cantora do milênio, brasileira, mulher, negra e feminista Elza Soares: 

“Na avenida deixei lá
A pele preta e a minha voz
Na avenida deixei lá
A minha fala, minha opinião
A minha casa, minha solidão
Joguei do alto do terceiro andar
Quebrei a cara e me livrei do
Resto
Dessa
Dida,
Na avenida,
Dura
Até
O fim

Mulher
do fim
do mundo
Eu sou
Eu vou
Até o fim
Cantar”

E aí? Gostou do nosso Top 7? Gostaria de adicionar algo para a temática? Deixe sua sugestão nos comentários. 

Eduardo Souza
10º Período/Direito – UFRN
Membro do CineLegis em 2016/2017

Um comentário:

  1. Belíssimo texto!!! Parabéns Eduardo Souza pela sensibilidade com que tratou o tema e a acuidade com que percebeu a negativa da produção audiovisual brasileira.

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