Enola Holmes e o lugar da mulher
Confesso que comecei a assistir o filme com curiosidade por ser o “filme da
irmã do Sherlock Holmes” e me surpreendi. Ambientado na Inglaterra de 1884, um
momento histórico de mudanças, afinal a discussão em torno das reformas políticas
ganharam força, o filme trata da busca de Enola Holmes por sua mãe, Eudoria, que
desapareceu. Embora muitos acreditem que ela abandonou a filha por uma aventura
qualquer, a menina tem fé que existe algo maior por trás do desaparecimento da mãe e
passa a investigá-lo.
Eudoria e Enola sempre foram muito próximas, e aquela escolheu educar a filha
de uma forma diferente: ensinou artes maciais, leitura de obras políticas, química e
resolução de anagramas. Isso é no mínimo interessante se formos comparar com a
educação inglesa tradicional da época, que consistia em ensinar as meninas a se
tornarem ladys, por meio do ensino de bordado e da arte de cozinhar. Por isso, quando
Eudoria some e a educaçã de Enola é entregue ao seu irmão, Mycroft Holmes, um
conservador, sua primeira providência é enviá-la a um colégio interno tradicional.
Diversa vezes durante o filme somos apresentados a um universo de luta
feminina interessantíssimo que Eudoria estava inserida. Ela fazia parte de uma
sociedade secreta que era composta por sufragistas, pois o voto feminino na Inglaterra
só foi autorizado, a princípio, em 1918 e apenas em 1928 as mulheres alcançaram os
mesmos direitos que os homens, podendo votar e concorrer a uma vaga no parlamento.
As reuniões eram na casa que ela morava com Enola e eram proibidas. Mais tarde,
descobrimos que um dos motivos dela ter partido foi o desejo de mudar a conjuntura
atual das coisas, para que Enola não tivesse que ter um futuro designado por esse
mundo.
Por fim, o papel masculino no filme serve também para trazer uma reflexão
sobre como as decisões políticas da época (e mesmo as de hoje) podem ser motivadas
por interesses, seja qual for a espécie. Inclusive, em uma cena que o Sherlock está
conversando com uma das integrantes da sociedade secreta ele fala da luta como algo
entendiante e revela que não se interessa por política, ela então lhe diz: “Política não te
interessa porque você não se interessa em mudar um mundo que está bom para você.”
Assim, vale a pena assistir Enola Holmes não só pela história de mistério ao
mesmo tempo leve e densa, mas também por todos os detalhes que tangenciam o
enredo. Ah, o filme também derruba a quarta parede, pois a personagem principal fala
sobre os seus planos de investigação e de sua vida diretamente para a câmera, fazendo
com que o espectador se sinta dentro da história.
Mirella Santos
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