Antes
de temerem anjos, demônios, fantasmas e gênios malignos, nossos
ancestrais temeram a extinção, o risco de serem subjugados na
competição por recursos. Ter seu território invadido por selvagens
que não compartilhavam de sua ordem de sentidos foi o primeiro
terror.
Com
custo a homeostase, seja biológica ou social, é mantida diante da
entropia universal e a vida resiste ao caos da morte. Nossos
territórios, geográficos ou não, intraindividuais e
extraindividuais, representam esse esforço de manutenção da ordem
interna pela ressignificação da contradição em competição. O
terror psicológico que instiga o medo da loucura, por exemplo,
explora a desordem, a incoerência a qual todos nós estamos sujeitos
enquanto sujeitos.
Desse medo, criam-se territórios como Id e superego, e a contradição
dessa unidade autônoma que é o indivíduo finalmente é apartada.
O
filme de terror paraibano, “O Nó do Diabo” (2018), bem podia ser
um documentário. Apenas precariamente ele se situa no gênero terror
por referências, linguagem cinematográfica ou inclusão de
elementos sobrenaturais. É um baita esforço para nos vender como
terror algo que acontece rotineiramente há seculos. Afinal, parece
que existem alguns pré-requisitos mais importantes para classificar
um filme como terror ou um atentado como terrorista. Primeiro, a
territorialidade. O ato deve acontecer no espaço que é tido como
nosso. Um corpo como o nosso, um país como o nosso. E aqui a
identificação é subjetiva, posto que um negro martiniquenho pode
se identificar mais com um branco parisiense do que com um senegalês.
Em segundo lugar, o inimigo é de outro território. Por isso, o
atentado promovido por jovens de direita em uma escola, assim como o
genocídio em Ruanda, não são atos terroristas. Mas o 11 de
setembro é.
Diante
disso, o maior mérito do filme é nos fazer enxergar o regime de
terror as quais estão sujeitas pessoas que foram arrancadas a força
de seus territórios, sendo-lhes negada sua história, sua cultura,
sua terra. Em cinco histórias ambientadas em diferentes épocas –
2018, 1987, 1921, 1871 e 1818 – tomamos consciência desse inferno
que é (re)viver em constante terror, uma situação de sofrimento
que não finda nem com a morte. Seus filhos e netos são obrigados a
assumir o mesmo papel no teatro trágico. Porém, não se trata de um
inferno a-histórico transcedental. A história começa com o
sequestro do primeiro preto e a chegada do primeiro navio negreiro, e
se repete com os mesmos rostos. Somos obrigados a reencenar o
sofrimento dos nossos ancestrais. Mas quem são os fantasmas que nos
obrigam a isso? Que respostas gritam as ossadas caladas por uma pá
de terra?
O
filme parece apontar que se eles têm fantasmas, nós também temos
os nossos. Resta-nos resistir com nossos delírios, maldições,
feitiços, mandingas ao exorcismo e a fogueira. Aceitar nosso papel
nessa história macabra, mas não ser alvo fácil, ser osso duro de
roer e, às custas de todo sangue já derramado, tomar nossa terra.
Victor Cecílio
Membro Cinelegis
Membro Cinelegis
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