“A arte é uma forma de catalisar o social” – Profº Zéu Palmeira (UFRN)
“Eu, Daniel Blake” é um longa de 2016 que narra o drama de
Daniel, um trabalhador envelhecente perto de seus 60 anos, desempregado, que
luta por conseguir um benefício previdenciário por sofrer com problemas cardíacos,
e, para tanto, tem de enfrentar todo o rigor da burocracia estatal.
Apesar de lidar com a realidade britânica, o filme traz
grandes reflexões ao cenário brasileiro, ao retratar o tratamento dado as
pessoas que procuram benefícios governamentais, mostrando que quem assim
procede, dificilmente está confortável, para muitos é, na verdade, uma situação
bastante humilhante.
Logo nas primeiras cenas, ao ter de passar pela perícia
médica, Daniel é submetido a responder mecanicamente questionários objetivos,
que não alcançam toda a amplitude das causas do problema que ele possui. Essa
cena conduz a uma crítica aos atendimentos, tanto médicos, quanto jurídicos,
que não se preocupam em ouvir e conhecer as vidas que estão sendo atendidas,
buscando auxiliá-las em sua completude - na avaliação dos fatores socioambientais,
psicomotores e econômicos que lhes afetam - estabelecendo um tratamento
humanizado e uma relação de amizade.
Em outra cena, agora no lotado setor de benefícios, Daniel é
orientado a fazer uma solicitação online, mas ele não entende nada de
computadores e não há quem possa auxiliá-lo. Quando uma das funcionárias do
setor decide ajudar, é repreendida por está concedendo um tratamento seletivo a
quem possui “plenas capacidade”.
Em sua jornada repleta de abusos morais, Daniel conhece
Katie, uma mãe também desempregada, que luta por criar seus dois filhos. Ambos
se ajudam no enfrentamento da fome, da falta de abrigo, da não inclusão.
O filme fala de dignidade. Em tempos de grande desemprego,
austericismo estatal e reformas retrógradas que flexibilizam a relação
trabalhista, é impossível não pensar nos abusos que daí decorrem, do lado hipossuficiente
que cada vez mais aceitará não ter voz nem vez para permanecer pondo o alimento
sobre a mesa; nas mães demitidas após o tempo de licença-maternidade, agora divididas
com os cuidados de uma criança, estigmatizadas por gerar uma vida e supostamente
não gerar mais tanto lucro; nos senhores e senhoras, trabalhadores
envelhecentes, que só por suas idades sofrem os rótulos da lentidão e da menor
produtividade.
Um filme para pensar nas leis e em quem as cria, nas leis e
em sua justiça, nas leis e em sua função social, nas leis e em quem as aplica.
Que estes últimos (os aplicadores) sejam melhores que os primeiros (os
legisladores), saiam de suas bolhas sociais, despojem-se de suas simbologias
antiéticas, esqueçam seu idioma hermético, e falem a língua do povo, pisem no
chão e não nos ombros dos que já andam curvados, cumprimentem com sinceridade
as mãos calejadas e sejam agentes de transformação e luz num mundo cada vez
mais obscurecido.
Suzana
Oliveira
5º
Período/Direito – UFRN
Membro do
CineLegis em 2016/2017
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