segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A conversação e a moralidade cristã

 



Imagine que você é um detetive particular, imagine que você foi contratado para espionar e gravar o que duas pessoas estão falando enquanto caminham em círculos por uma praça pública movimentada, agora adicione a esta trama a carga emocional que você carrega por um de seus antigos trabalhos ter implicado em situações que você não considera corretas, indo drasticamente contra sua moral.


Esta pode ser considerada a sinopse do filme "A Conversação", dirigida por Francis Ford Coppola no ano de 1974. Nessa película, acompanhamos o detetive particular Harry Caul sujeito que se dedica a entregar os materiais de gravações que o são requisitados, não se preocupando no que acontece com eles. No entanto, é em um desses encontros para deixar a encomenda que Harry tem a sensação a qual se entregar os documentos estes poderão prejudicar os envolvidos nas fitas.


*SPOILERS


Mais do que uma trama enigmática, este filme traz um estudo de personagem muito profundo do protagonista. Desde o início do filme percebemos quanto Harry gosta de privacidade: ele fica surpreso e ao mesmo tempo irritado quando descobre que a administradora de apartamentos entra no seu e deixa as encomendas na mesa; vemos mais para frente que Harry tem um affair com uma mulher e que no decorrer do diálogo percebesse que ela não tem nenhuma informação sobre quem é Harry. Sua vida profissional e pessoal não tem limites claros, parece que ele está sempre escondido tentando parecer o menos possível, enquanto todos os profissionais do ramo o admiram ele por outro lado não parece ter família nem amizades. 


Outro ponto que chama atenção é sua fé cristã, ao ponto de falar o nome de Deus em vão causar raiva nele, ir com habitualidade se confessar ao padre, e até mesmo guardar uma estátua religiosa em sua casa. É essa característica que, após um trabalho bem feito, mas que teve conclusões trágicas, fizeram com que ele se mudasse para outra região, em busca de esquecer o passado. Só que com o caso atual ele pressente que essas situações trágicas possam ocorrer novamente. Essa é o grande debate moral que Harry tem que ponderar, se seu trabalho não é considerado uma peça da tragédia que pode acontecer ou baseado na fé cristã suas atitudes mesmo que não sendo as causadoras tem sua parcela de culpa.


O final vai deixar você surpreso, pode confiar. Além disso, a cena final faz valer todo o desenrolar da trama. Para dar uma palhinha: no final, o feitiço vira contra o feiticeiro.


Pedro Henrique

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Pieces of a Woman

 

O novo longa na netflix, dirigido por Kornél Mundruczó, se assemelha com História de um Casamento (2019) principalmente nos longos diálogos e foco na atuação. O enredo gira em torno de um parto domiciliar mal sucedido. O casal principal é interpretado por Vanessa Kirby (Martha)-  já conhecida por interpretar a jovem Princesa Margaret em The Crown – e Shia LaBeouf (Sean) .Os primeiros 30 minutos do filme são o que realmente prende a atenção, pois é ali que a expectativa se fixa. Ficamos procurando o que vai dar errado, pois tudo parece perfeito.  Somos apresentados a um jovem casal que espera seu primeiro filho, tendo todos os preparativos já resolvidos: carro, quartinho do bebê, férias do trabalho. Na noite em que a bolsa se rompe, a parteira do casal não pôde comparecer, pois estava em outro parto e envia uma colega. Mesmo para aqueles que não passaram pela experiência da maternidade, Vanessa Kirby consegue passar de forma clara a dor e as outras emoções do momento. O espectador se sente dentro da casa, e a câmera tem um papel fundamental nisso, pois desliza pelos cômodos sem cortes.

Depois desse início intenso, o título passa a se traduzir na história. Os desdobramentos do parto no estado emocional da protagonista, que tem que retornar a uma rotina que agora conta com a tentativa alheia de demonstrar uma empatia pelo que ocorreu com ela. Assim, os “pedaços” de Martha são mostrados na história. Ademais, Sean lida com o luto de uma forma diferente. Ele precisava dialogar com a companheira, mas a forma daquela de lidar com a sua dor não a deixou fazer isso, o que se torna totalmente compreensível para quem assiste. Assim, ele volta ao alcoolismo, vício que já tinha superado e mantém um affair. O relacionamento dos dois passa a ser cada vez mais distante, mesmo fisicamente, visto que também nos despedimos do personagem no aeroporto.

Importante destacar que o caso é judicializado, devido a um grande clamor social e mesmo pelo apoio da classe médica para a condenação da parteira. Isso é de suma importância para o processo de cura da protagonista que se vê obrigada, no tribunal, a encarar de frente o que ela vinha tentando fugir.

Ainda, a relação conturbada de Martha com a mãe e com a irmã parece se resolver, ou pelo menos melhorar bastante, com a sua recuperação e reconstrução.

Também notei que alguns objetos possuem um significado especial no filme, como a maçã e a ponte, literalmente presentes do início ao final, que me pareceram demonstrar a capacidade de superação, seja pela abundância ou pelo fim da obra, respectivamente. O filme toca em diversos outros pontos sutis, como a valorização do dinheiro na entidade familiar, desafios da maternidade e o perdão. Assim, vale a pena assistir Pieces of a Woman.