terça-feira, 19 de junho de 2018

PERSÉPOLIS

     Uma das propostas do projeto Cine Legis é aliar o direito ao cinema, buscando na linguagem cinematográfica um instrumento motivador de debates socialmente relevantes, de modo a estimular nos estudantes o desenvolvimento do raciocínio crítico e da reflexão. Assim, foi realizada na última quinta-feira (14/06) uma atuação em uma escola estadual do Ensino Médio, a fim de trabalhar o conteúdo trabalhado em sala de aula. 

O filme escolhido para ser trabalhado foi Persepolis, baseado em uma história real de uma mulher iraniana chamada Marjane Satrapi. Ele narra e desenha em preto e branco sua vida e a trajetória de seu país ao longo dos quase quinze anos em que a narrativa se passa. Nesse ínterim, guerras, lutas, exílio, intolerância, revolução, ditadura e resistência perpassam a narrativa entrecruzando as histórias do país às suas experiências pessoais. 

No período que vai de 1950 a 1970, o Irã representava uma das maiores monarquias conservadoras apoiadas pelos EUA, no contexto da Guerra Fria. No entanto, a relação começou a ser desfeita no final dos anos 70, com o início da Revolução Iraniana. O capítulo inaugural do filme é nesse período de 1980, com o apoio de maioria da população, provocando a queda da monarquia. O novo governo passou a criticar o Ocidente, em especial os EUA. 
Nesse novo sistema, o uso do véu passou a ser obrigatório nas escolas, embora as meninas não compreendessem o significado dele. Músicas, filmes e produtos ocidentais eram estritamente proibidos, assim como qualquer bebida alcoólica. Nesse mesmo período, o Irã começou a tentar intervir nos assuntos internos de outros países, por exemplo do Iraque. Isso gerou insatisfação no governo iraquiano, fazendo com que Saddam Hussein declarasse guerra contra o Irã no final de 1980. 

Em 1984 essa guerra é intensificada e são poucas as possibilidades de se cruzar as fronteiras. No entanto os pais de Marjane encontram uma chance de enviar a menina para o exterior, mandando-a para Viena. Ela passa a enfrentar a solidão, a dificuldade do contato com outras línguas, outras culturas e a saudade do lar. Além disso, a guerra vai interferir na imagem que o povo iraniano demonstra frente as outras nações e isso vai ser exposto da sua permanência no país.

Depois de cerca de 4 anos longe de casa, ele decide retornar para casa. No entanto, ao ser atualizada da situação do seu país, o qual estava devastado pelos anos de guerra, bombardeios e o consequente saldo de mortos, Marjane é arrastada para um período de forte depressão, proveniente da dificuldade em se restabelecer iraniana. Após um casamento frustrado, no auge de seus vinte anos, ela decide sair de vez do Irã e tenta traçar novos caminhos na França, cena que encerra o filme, em 1992. 

Ao término do filme, os alunos compartilharam seus entendimentos sobre o filme, sob a perspectiva da liberdade de expressão. Foi percebido que esse direito foi bastante infringido ao longo do filme, quando ele na verdade deveria ter sido assegurado e garantido aos iranianos. Além disso, foi percebido como o totalitarismo e a intolerância, mais especificamente a política, atrapalham o convívio harmônico da sociedade. 

Com o filme, percebemos que Marjane começou como uma pequena garota que presenciou situações controversas em seu país, que enfrentou o desconhecido e a solidão, que se perdeu e reencontrou. No entanto, ela encarou todas essas dificuldades, todos os preconceitos, sem nunca aceitar o que lhe era imposto e acabou amadurecendo. 
Marina Olívia
Direito - UFRN
Membro do Cine Legis (Gestão 2018)

terça-feira, 5 de junho de 2018

Universidade dos juristas mortos: repensando a Educação Jurídica


Na manhã de ontem (04/06), o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti promoveu uma Assembleia Estudantil em que foi apresentada aos discentes do curso a nova matriz curricular, além de dados referentes à última pesquisa realizada pelo COMPAD (Comissão Permanente de Acompanhamento Docente). Na esteira do evento, em especial das falas da professora Karol Marinho e do professor Ângelo Menezes, proponho uma reflexão acerca da Educação Jurídica, tomando como ponto de partida o clássico filme Sociedade dos Poetas Mortos (1989), dirigido por Peter Weir.

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Na película, o espectador acompanha a chegada do professor de literatura John Keating a um internato de meninos extremamente conservador e tradicional, no qual os alunos vivem em uma constante pressão quanto ao rendimento acadêmico e às escolhas profissionais. Keating, com sua didática inovadora e dissonante dos academicismos arraigados na escola, conquista os estudantes, que, antes descontentes com a sala de aula, motivam-se na vida estudantil e descobrem a si próprios em um processo de crescimento que envolve desde questões do cotidiano adolescente até dilemas mais sérios, como a decisão da carreira a ser seguida posteriormente.
Em um claro exemplo do que seria uma educação libertadora, o professor Keating fez com que a experiência escolar intervisse de alguma maneira no universo particular dos alunos, libertando-os, a partir da poesia, de um automatismo que os condenava a uma vida medíocre. Ao dá-los a autonomia e a liberdade na educação, Keating os torna seres donos da própria vida, prontos para construírem seus caminhos.

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O enredo do filme, embora situado no contexto da educação básica, pode colaborar para uma discussão sobre a Educação Jurídica no ensino superior. Tendo-o em mente, é válido se questionar: será que, em nosso ambiente universitário, há um processo educacional que ressoe a experiência ocorrida entre o professor Keating e seus alunos? Inegavelmente, não.
Indo totalmente na linha contrária da educação libertadora, temos um ensino desestimulador que parece alheio à realidade existente além dos muros da universidade. Em meio a professores que funcionam no modo automático, com uma didática retrógrada e imutável – muitas vezes abusiva, fulcrada em um terror psicológico -, os alunos se desmotivam e não veem mais a educação como um instrumento de intervenção social, um dispositivo de mudança, uma vez que eles mesmos não se sentem tocados por ela. 
Leis, doutrinas, jurisprudências se tornam apenas o conteúdo da prova objetiva da semana que vem e o estudante perde a noção da importância que tudo aquilo possui na realidade prática, assumindo uma postura de indiferença perante aquilo que “aprende”. Assim, a vida universitária torna-se insignificante, resumida a chamadas e notas na média, num teatro em que os professores fingem dar aula e os alunos fingem aprender. 
Há, obviamente, exceções nesse quadro. Entretanto, elas precisam ser a regra. A universidade deve ser um espaço vivo, de ciência, partilha, aproximação e crescimento. Só assim ela formará juristas de qualidade, preparados para, de alguma maneira, intervir na sociedade. É difícil apontar qual é o melhor caminho para se alcançar essa Educação Jurídica ideal, mas é certo que, sozinha, a mudança na matriz curricular não trará os resultados esperados, pois as questões que assolam o curso no momento vão bem além disso e estão associadas a uma cultura do medíocre enraizada em quase todos que o compõem – docentes, discentes, coordenadores etc.
Por fim, pensar um novo modo de educar é sempre um caminho pedregoso, repleto de represálias. É, antes de tudo, opor-se a um modelo tradicional que é cômodo, porém problemático. Portanto, em meio a obstáculos que venham a aparecer nesse percurso, é primordial sempre lembrar o conselho do professor Keating: não podemos aceitar o medíocre. Lutemos, pois, por uma vida universitária extraordinária. Carpe diem.


Lucas José de Mello Lopes
             Direito - UFRN
Membro do CineLegis (Gestão 2018)