segunda-feira, 30 de abril de 2018

Resenha: Distrito 9 e a xenofobia


            A história começa com uma nave alienígena parando sobre a cidade de Johanesburgo, que é a maior cidade da África do Sul (país onde o diretor Neill Blomkamp nasceu), e lá fica presa por uma falta de combustível. Logo uma missão humanitária leva ajuda aos Alienígenas, que estão sem recursos para sobreviver, e os mesmos são colocados abaixo da nave e formam ali um distrito provisório que leva o nome do filme (District 9).
Pôster do filme Distrito 9, mostrando a nave e a favela
É importante notar que o filme todo se passa na África do Sul e que, neste caso, diferente da maioria dos filmes Hollywoodianos, os aliens estão à mercê da humanidade e precisam de ajuda. O problema é que os aliens acabam sendo marginalizados e o distrito acaba se transformando em uma enorme favela e a expansão dessa favela começa a chegar nas cidades próximas, vista toda a marginalização causada pelo governo a essa população alien, seguida do repúdio que os próprios humanos criam daquela comunidade decantada e vivendo de restos, o governo vê que é necessário transportar e expulsar todos daquela área mesmo depois de anos construindo ali suas vidas, isso com apoio e alvará tanto da população quanto da mídia. A partir disso, começa o desenrolar de uma trama que é uma clara alusão ao Apartheid, e o distrito uma grande representação de Soweto (cidade que nasceu e cresceu a partir de uma população imigrante de trabalhadores negros que eram proibidos de ocuparem as cidades “brancas” do país no regime Apartheid).


Distrito de Soweto
        Distrito 9 (filme)




            O protagonista do filme é Wikus Van De Merwe, um funcionário do governo que anda emitindo ordens de despejo para os aliens. Ele é a síntese de todos os preconceitos que a população humana tem com os aliens, chama-os de “camarões”, maneira pejorativa de inferiorizar a raça pelas diferenças e também de desumanizar, para assim o processo de apatia ser mais fácil. Isso aconteceu em vários casos da história do mundo, como com os índios brasileiros, que eram vistos como sem alma pela igreja, facilitando a escravização, ou os negros africanos, que eram vistos como uma raça inferior por vários estudiosos europeus no fim do século XIX. 

Alien que defende a propriedade contra o protagonista Wikus
                Em meio ao conflito no qual o alien se nega ao despejo, o personagem Wikus acaba sendo infectado e passa por um processo de mutação no qual seu corpo começa a se transformar em um alien. Nesse momento, ele percebe que todas as ações preconceituosas e xenofóbicas  se voltam contra ele, para aí ele perceber todo o preconceito que aquela raça sofria simplesmente por ser diferente. A partir daí, passa a ser caçado pelo governo que defendia e é negado até pela própria esposa. Todos os meios que ele viveu e socializou, portanto, o renegam, chegando ao ponto em que ele se une aos aliens numa investida de tentar escapar do planeta e achar uma cura.
               A grande jogada do filme está em trazer um protagonista totalmente detestável e desprezível da perspectiva do telespectador, que é consciente da alegoria que é o filme, porém com a mudança jogada e o personagem mudando de posição, nós percebemos que tudo aquilo que ele fazia não era por ser alguém ruim, mas sim porque aquele preconceito tinha sido inserido em sua cabeça de diversas formas. O governo e a mídia sempre destratavam os aliens, ou por declararem que os mesmos consumiam muito recursos, ou por colocarem os aliens em meio ao lixo, ou mesmo os tratando como perigosos, sendo que no fim o governo acaba sendo o verdadeiro inimigo por não ter implantado verdadeiras políticas de inclusão.

Take final do filme, o protagonista Wikus mostrando o que é viver à margem da sociedade, ser visto como um animal mesmo com um olhar tão vivo e humano
Felipe Silva Motta
Ciências Sociais - 3º Período
Membro do Cine Legis 2018

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Septo: uma websérie potiguar



  Septo é uma websérie potiguar de produção independente que narra o difícil relacionamento da triatleta Jéssica (Alice Carvalho) com o seu pai controlador, sua história de amor com a bem resolvida Lua (Patrícia Vilela), enquanto procura dar um sentido para sua vida e afirmar sua personalidade. A websérie é muito interessante por diversas razões e listaremos aqui algumas delas, para você ir assistir agora mesmo.
  Para começar, é uma produção local e independente. Como a produção nacional é escassa e no nosso estado é ainda menor e tem pouquíssima visibilidade, é incrível assistir uma série que se passa em Natal, com lugares familiares e atores com o nosso sotaque.
  Além disso, a série é premiadíssima nacional e internacionalmente, possuindo vários troféus e nominações em festivais e premiações de webséries no Brasil e no mundo. Além de premiada em festivais no Brasil, na Argentina e em outros países, Septo figura em diversas listas de webséries relevantes pelo mundo afora. No momento, a websérie está  participando do Die Seriale e do Wendie Webfest, que acontecerão este ano respectivamente em Giessen e Hamburgo na Alemanha.
  Dentro de uma temática da representatividade, a série mostra um relacionamento entre duas mulheres com muita naturalidade, e, indo na contramão do queé mostrado em outras produções, não faz com que esse relacionamento e seus possíveis conflitos se tornem o centro do drama, mostrando que relacionamentos homoafetivos podem ser tão normais quanto quaisquer outros.
  A primeira temporada de Septo está disponível integralmente no Youtube. São 5 epísódios com cerca de 8 minutos cada. A segunda temporada está em produção. Se você gosta de muito drama e quer apoiar uma produção local, acreditamos que esta é uma ótima série para você e vamos deixar aqui o primeiro episódio . Esperamos que se divirta!

Cecília de Oliveira Lúcio Tavares 
Direito - UFRN
Membro do Cinelegis em 2018

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Black Mirror: repensando nossa relação com a tecnologia



Black Mirror é uma serie inglesa que foge dos parâmetros convencionais. O criador e escritor Charlie Brooker desde 2011 inova e causa uma sensação impactante aqueles que a assistem desde o primeiro contato. Uma das primeiras curiosidades com a qual nos deparamos é a de que todos os episódios são independentes entre si, ou seja, não existe uma linha de raciocínio lógica que estabelece um nexo entre um episódio a outro.
Atualmente, as quatro temporadas de Black Mirror estão disponíveis na plataforma digital Netflix e, devido a total independência entre os episódios, não torna viável que os telespectadores se identifiquem com personagens específicos, sendo assim, mais um fato que a difere da maioria das outra séries.  
Além desses pontos já bastante peculiares, o sucesso britânico ganha ainda mais força ao abordar uma temática tão impactante para o contexto da sociedade contemporânea. Os avanços tecnológicos, os aplicativos que facilitam a vida, as mudanças culturais e de comportamento, a relação homem x tecnologia são os assuntos que mais levantam reflexões nos dias de hoje.
Não há o que se discutir quanto ao impacto que as diferentes tecnologias vêm causando na vida de todos que tem acesso a elas. Estamos, portanto, expostos à mudanças cada vez mais acentuadas e bruscas, e é exatamente a partir dessa ideia que surgem as incisivas críticas que a série aborda, tais como a dependência tecnológica e o lado obscuro da humanidade, mergulhando em uma genialidade melancólica com uma aura sombria e perturbadora. As histórias mostram uma humanidade que acha que domina sua relação com a tecnologia, mas está fragilizada psicologicamente em seu vínculo (ou submissão) com ela.
Então, se a temática lhes parece interessante, é imprescindível apreciar esse universo cercado por essas questões tão atuais e que merecem um reflexão especial. Por fim, veja-se, nas palavras de Charlie Brooke, o que o motivou a intitular a série de Black Mirror:  


“Se a tecnologia é como uma droga – e ela parece com uma droga – quais são precisamente os efeitos colaterais? Essa área entre o prazer e o desconforto é onde Black Mirror, minha nova série dramática, está situada. O “espelho negro” do título é aquele que você irá encontrar em cada parede, em cada mesa, na palma de cada mão: a fria e brilhante tela de uma TV, monitor, smartphone”.
Caroline Fernandes do Nascimento 
Direito - UFRN
Membro do Cinelegis em 2018 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Top 5: Filmes que nos fazem (re)pensar a história

     Após 30 anos da promulgação de sua nova carta constitucional, o Brasil atual passa por diversas dificuldades políticas e institucionais. O resultado está no levante de discussões que outrora já haviam sido enterradas, provocando, assim, o perigo de revivermos uma fração da história que já conhecemos e nos dispomos a não repetir. 
     Estes filmes vão te fazer pensar acerca do nosso modo de agir de forma essencial para não cairmos no espiral de conflito que Edmund Burke tornou conhecido através de sua célere frase "aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la".


1 – A Mulher Faz o Homem (Mr Smith goes to Washington)
     Apesar de haver sido produzido no ano de 1939, o filme estreado por James Stewart e Jean Arthur nos remete a um cenário político norte americano que sofria com o mesmos vícios da política brasileira atual. Troca de favores pessoais para aprovação de leis, esquemas de propina e forte atuação da imprensa no mundo político fazem parte na trama. Por fim, a mensagem que nos passa é a necessidade de persistir pela construção  de um país livre de corrupção.



2 – A lista de Schindler
     Agraciado pela crítica mundial, vencedor de mais de 15 prêmios, O filme do diretor Steven Spielberg trata de assuntos que vão muito além de trabalho e liberdade, eles nos passa o dever de refletir como uma sociedade tão bem organizada e desenvolvida conseguiu render-se aos “encantos” de uma ideologia que discursava intolerância e exalava ódio. Assim, o filme nos mostra como a lei pode ser usada para afastar do outro, extinguindo o fenômeno da alteridade e flexionando o indivíduo a um maniqueísmo individualista.  





3 - Os falsários
    Dirigido por Stefan Ruzowl e baseado no livro “O diabólico trabalho – O trabalho de dinheiro falso do campo de concentração de sachsenhausen” do sobrevivente e pintor Adolph Burger, Os Falsários nos concede a visão de um homem que abastecia sua vida luxuosa e cômoda com a falsificação de papel moeda, no auge de suas gandaias, é preso e encaminhado a um campo de concentração, onde oferece seus “serviços” em troca da manutenção de sua vida. De início, é possível perceber a relativa tranquilidade que os falsários mas, o tempo desperta no coração dessas pessoas a necessidade de ajudar os demais prisioneiros que ali se encontram.

4 - O jogo da Imitação
     O filme que conta a história de Alan Turing, nos leva a conhecer esse matemático que, em meio a uma guerra mundial, conseguiu derrotar os Nazistas e nos deixar um dos primeiros legados da inteligência artificial. Ele que foi convidado pelo comando de guerra britânico para participar de uma missão ultrassecreta com o objetivo de decodificar as mensagens de comunicação militar alemã. Temas como bullying, sexualidade e direitos das mulheres são frequentemente postos em discussão, contribuindo para o debate e contradizendo preconceitos.

5 - A vida é bela
   
     Para finalizar com uma mensagem de persistência, não podemos deixar de falar sobre o filme ganhador de três Oscar e outros diversos prêmios. Dirigido por Roberto Benigni no ano de 1997, este filme italiano retrata a dor de um homem que, em meio a segunda guerra mundial, encontra-se preso em um campo de concentração em Berlin mas, com bom humor, comédia e inteligência consegue resgatar a proteção e força necessária para superar as adversidades.



Anderson Almeida 
Direito/UFRN
Membro do Cine Legis em 2018

terça-feira, 3 de abril de 2018

Resenha: 13 Reasons Why (série)


A série 13 reasons why, produzida pela Netflix, já fez bastante sucesso e virou uma febre entre os assinantes da provedora global de filmes e séries, além de repercutir grandemente na internet. A série televisiva aborda temas como violência sexual e suicídio na sua trama, contando estes através da historia da personagem Hannah Baker.
A série se apresenta com uma temática pesada e que instiga o debate a respeito de assuntos considerados polêmicos, principalmente entre o meio adolescente. É possível através dela, exibir assuntos como bullying, abuso físico e psicológico, machismo, preconceito, depressão, exposição de fotos íntimas sem consentimento e a própria interrupção da vida à tona.
A série, de maneira bastante simplificada, conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que deixa uma caixa de fitas cassetes gravadas antes de cometer o suicídio, relatando treze motivos pelas quais ela tirou sua própria vida. Porém, o objetivo aqui não seria abordar a respeito dos detalhes da trama, mas sim o impacto que a série trouxe para a sociedade, o despertar de discussões que talvez poderiam estar esquecidas ou até mesmo banalizadas, além de fazer uma ponte com o Código Penal brasileiro.


No último episódio da série, os autores trazem um documentário nomeado “13 reasons why: Além dos porquês”, que nos faz refletir a respeito do que aconteceu com a personagem, entender talvez, o porquê do suicídio, e expandir aquela discussão para fora das telas, inserindo e trazendo relações para a vida real. Neste documentário, é apresentada uma análise profunda sobre a depressão e o auto-extermínio na visão de uma psicóloga, além de ter uma análise pelos olhos dos atores que representaram os personagens na trama.
A situação que acaba com a resistência de Hannah em lutar por sua vida, dentre um dos principais motivos, foi o estupro sofrido. O estupro não foi sofrido apenas por ela, mas também pela sua amiga, a personagem Jéssica. Esta última foi violentada enquanto estava inconsciente, mais precisamente alcoolizada, cena esta presenciada por Hannah, que estava escondida dentro de um armário, também com medo e sentindo-se ameaçada pelo agressor.
Essa situação em especial tem relação com um crime considerado hediondo no Brasil e previsto no artigo 213 do Código Penal. A definição de estupro é constranger alguém, mediante violência ou ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso. E foi exatamente o que aconteceu com as duas personagens. Também é importante frizar que a pena no país é de 6 a 10 anos de prisão, subindo para 8 a 12 anos quando ocorre lesão corporal ou se a vítima tem entre 14 e 18 anos de idade, como o caso retratado em 13 Reasons Why.
A personagem principal também teve fotos íntimas expostas na internet sem autorização. No Brasil, o autor responderia por difamação ou injúria, como estabelecem os artigos 139 e 140 do Código Penal. Entretanto, pelo fato da vítima se tratar de uma adolescente de 17 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como crime grave a divulgação de imagens de crianças ou adolescentes em situação de sexo explícito ou pornografia.
Todas essas situações abrem espaço para grandes, longos e importantes debates, que vão desde a questão do agressor, que se sente na posição de violentar alguém, até mesmo outras pessoas que veem a situação de fora, como os pais, por exemplo, que por vezes não compreendem o que o adolescente está passando, visto que esse período da vida geralmente traz consigo uma enorme carga emocional, acompanhada também, em certos casos, de problemas na escola, isolamento, bullying, ameaças, dificuldades para se relacionar, dentre outros.  É comum inclusive o apontamento do jovem como alguém que está se vitimizando, fazendo drama ou tentando encontrar alguma forma de chamar atenção.
A partir daí, observa-se a relevância da exibição dessa série e sua posterior argumentação, pois é uma maneira de trazer uma reflexão à sociedade, fazer enxergar que milhares de adolescentes um dia podem ter sofrido bullying, um dia podem ter sofrido depressão no ambiente escolar, um dia podem não ter tido pais preparados para escutá-los e que infelizmente, um dia podem ter pensado em interromper a sua vida.
Reflexo disso são as taxas de suicídios de jovens no Brasil. Dados divulgados pela BBC Brasil indicam que, entre 1980 e 2014, a taxa de suicídio entre jovens de 15 a 29 anos aumentou 27,2% no Brasil. Portanto, estes dados são preocupantes e merecem um olhar atento e preocupado de todos nós.
Mas e se eu vivenciar isso ou conhecer alguém que precise de ajuda, onde posso conseguir? É possível fazer a denúncia de estupro e outros crimes em delegacias especializadas para atendimento de crianças, adolescentes e mulheres ou recorrer ao Disque Direitos Humanos (Disque 100). Ou até mesmo, se preferir, de forma anônima, discreta e gratuita, apenas conversar sem julgamentos, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) através do telefone, email ou pessoalmente a qualquer hora do dia ou da noite. Inclusive, o CVV percebeu um aumento de aproximadamente 100% no número de mensagens de texto e ligações de pessoas que estavam dispostas a conversar sobre o suicídio, e que muitos desses relatos mencionam a trama da série 13 Reasons Why.

Ana Beatriz Brito
Membro CineLegis - 2018
Direito/UnP