domingo, 29 de outubro de 2017

Histórias Cruzadas – a antiga e subsistente segregação de empregadas domésticas

            "Histórias Cruzadas" é um filme de sucesso lançado em 2011, baseado em um romance de Kathryn Stockett, intitulado The Help. A obra retrata o cotidiano de  domésticas negras estadunidenses da década de 60, mais especificamente na cidade conservadora e elitista de Jackson, no estado do Mississippi. Skeeter (Emma Stone) é uma jovem branca que aspira à carreira de escritora e consegue um emprego em um jornal local, para o qual, inicialmente, escreve sobre dicas de limpeza. Ao ter dificuldade em aconselhar os leitores sobre o assunto, pede à sua amiga Elizabeth Leefolt (Ahna O'Reilly) a permissão para ser orientada por sua empregada Aibileen (Viola Davis), uma negra que dedica boa parte do seu tempo trabalhando na família Leefolt, sobretudo cuidando da filha pequena de Elizabeth.
            O contato com Aibileen evidenciou para Skeeter a dura jornada da doméstica em uma casa de elite branca e, consequentemente, suscitou na autora o desejo de escrever acerca das dificuldades vivenciadas pelas empregadas na sociedade segregadora em que se passa a trama. Hilly (Bryce Dallas Howard), amiga de Skeeter e integrante da elite preconceituosa de Mississippi, entra com um projeto que proíbe o uso comum dos banheiros pelas domésticas e pelas empregadoras, solicitando a existência de uma lei que exija a obrigatoriedade de um banheiro separado para as negras. Para isso, utiliza-se da justificativa absurda de que os negros têm doenças diferentes dos brancos, pensamento que leva Hilly a demitir sua empregada Minny (Octavia Spencer) após esta utilizar o toalete da residência em uma noite em que uma tempestade impossibilitou o uso do banheiro externo – destinado às empregadas.


            Após descobrir sobre o projeto de Hilly, Skeeter decide escrever a respeito das relações entre as patroas e as negras a partir de depoimentos advindos destas. Contudo, a ideia de denunciar as iniquidades sofridas por elas acarreta o temor de retaliações e repressões, fazendo-as se recusarem a cooperar, até que Aibileen, eventualmente, concorda e Minny, após ser demitida e ter sua reputação prejudicada, também decide se juntar à produção das escrituras de Skeeter. Nesse contexto, a ocorrência de vários episódios desperta o interesse de muitas domésticas, que vêm a contribuir com a obra por meio de suas emocionantes histórias resultantes da intensa discriminação presente na sociedade.

           Referente a esse enredo, faz-se uma reflexão: apesar das conquistas alcançadas pelas domésticas, é coerente dizer que a nossa realidade atual encontra-se distante das injustiças exibidas no filme? Infelizmente, sabemos que o preconceito, o racismo e a apartação não se limitam à década de 60, tampouco às telas de cinema. Não é incomum ouvir notícias ou relatos contemporâneos de situações abarcadas de discriminação envolvendo negras, o que comprova a subsistência de um pensamento retrógrado e intolerante. Por exemplo, há vários condomínios de luxo que proíbem nos regimentos internos o uso de suas áreas comuns, tais como elevadores sociais, área de lazer ou até mesmo a portaria principal, pelos zeladores e domésticos que lá trabalham. "Não é uma questão constitucional, é sanitária" foi a alegação, em resposta à Folha de S. Paulo, de um dos condôminos ao defender tal proibição. Portanto, ainda que passados mais de 50 anos do contexto da obra, é inegável a permanência da segregação denunciada pelo filme e dos infortúnios aos quais as mulheres negras e trabalhadoras são submetidas na sociedade inflexível, segregante e preconceituosa em que vivemos.
                                                                       
Kívia Florêncio
3º período/ Direito - UFRN
Membro do CineLegis em 2017


domingo, 22 de outubro de 2017

EXTENSÃO NA ESCOLA ESTADUAL DOM NIVALDO MONTE

O Cine Legis, projeto de pesquisa, ensino e extensão do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, visa aliar o direito, cinema e cidadania, buscando na sétima arte um instrumento motivador de debates social e juridicamente relevantes, de modo a estimular nos estudantes o desenvolvimento de raciocínio crítico e aperfeiçoamento do conteúdo aprendido em sala de aula.

            No que diz respeito à prática da extensão, o grupo procura trabalhar com os estudantes do Ensino Médio. Nesta, foi trabalhado, no turno vespertino, com três turmas de segundo ano, com aproximadamente 70 alunos. Para isso, dez dos treze atuais membros se dirigiram à Escola Estadual Dom Nivaldo Monte, localizada em Emaús, Parnamirim/RN, no dia 18 de outubro de 2017.


            A atuação se iniciou por volta de 14h sendo mediada pelos integrantes Eduardo Souza e Suzana Melo. Eles começaram apresentando o projeto e explicando que iriam tratar de um tema delicado dentro da escola, o qual foi proposto pela diretora da instituição, Sra. Magnalva. Diante disso, o grupo se dispôs a levar o debate acerca da violência LGBTfóbica, trabalhando com dinâmica e vídeos curtos.

            Primeiro foi realizada a dinâmica do privilégio, na qual os alunos começam lado a lado, mas a medida que as perguntas são feitas, alguns dão passos a frente, enquanto outros vão ficando para trás, o que depende do personagem que cada um recebeu para representar. Foi realizada duas vezes, cada uma com sete alunos. O objetivo foi mostrar a presença dos estereótipos e preconceitos existentes em nossa sociedade e como eles mudam a forma como cada um é tratado por causa deles. Perguntamos qual discussão eles achavam que tínhamos levado e as repostas foram: racismo, preconceito de orientação sexual, aspecto físico e classe social. 
          

  Em seguida, foi exibido o primeiro vídeo “Evan”, o qual aborda quais as consequências desencadeadas pelo bullying. Desde o início foi perceptível que muitos alunos se mostraram dispostos a contribuir com o debate, expondo suas experiências pessoais. Eles compartilharam suas concepções, percepções e foi unânime a concordância de que essa prática deve ser proibida e freada. 
           
Depois da conversa introdutória, foi exibido o segundo vídeo, chamado “Leve-me para sair”. Ele relata como foi para adolescentes homossexuais quando se assumiram, quais suas conceituações sobre gênero, orientação e opção sexual. Durante o vídeo, houve divergências nas respostas de alguns entrevistados e os alunos, ao serem questionados, a maioria foi contra estereotipá-los. Novamente, eles compartilharam suas vivências e pensamentos acerca do tema. O integrante Eduardo chegou a ser questionado sobre seu posicionamento, porém conseguiu prosseguir com o debate ao lembrar que o objetivo era ouvir e debater o que os alunos tinham a dizer e não somente escutar e aceitar todo o conteúdo transmitido. Após, houve o intervalo dos estudantes.


            Ao retorno, foi passado o último vídeo, “E se fosse com você”, do canal Põe na roda, o qual mostra os preconceitos e violências físicas vivenciados pelos entrevistados. Transexuais, homossexuais e heterossexuais- em menor parte, estão sujeitos a sofrer com essa estigmatização. O vídeo traz dados referentes à violência física e moral e como a nação está despreparada para tratar dessa problemática, haja vista a inexistência de uma lei específica que condene essa prática e o despreparo das autoridades em lidar com esses casos. Diante disso, os alunos foram novamente chamados para debater, concordando ou não com o que foi apresentado e produzindo uma reflexão crítica sobre o exposto.


            O Cine Legis gostaria, em nome de todos integrantes, agradecer a oportunidade de trabalhar essa temática em uma escola acolhedora e receptiva. Gostaria também de agradecer a todos que participaram e se dispuseram a ouvir pontos de vista diferentes, demonstrando respeito quanto às opiniões contrárias.  Ficamos muito gratos e honrados de terem pedido nosso retorno para discutir outro tema. O empenho em participar, colaborar e dividir experiências, mostra que nossa atuação está conseguindo alcançar seu objetivo e avançar na luta contra às opressões.


Fernanda Carvalho Jácome
Marina Olívia Sousa e Silva








“O Povo contra Larry Flint” e o exercício da liberdade de expressão



O filme de 1996 é uma cinebiografia de uma das mais famosas personalidades estadunidenses das ultimas décadas: Larry Flynt. A obra se inicia na década de 50 quando Flynt é apenas uma criança pobre no interior do Kentucky e perpassa toda sua trajetória até o seu polêmico julgamento na Suprema Corte dos Estados Unidos. 
Antes de retiramos alguma reflexão do seu julgamento, devemos entender primeiramente quem era essa figura tão singular.
Na década de 70, Larry Flynt era um proprietário do clube de stripper Hustler Go-Go que, a fim de aumentar seus lucros, começa a produzir e divulgar panfletos publicitários com fotos das mulheres que se apresentavam em seu estabelecimento. A empreitada traz resultados, então ele passa a publicar textos acompanhando as fotos de mulheres nuas e assim surge revista Hustler. A revista ganha bastante circulação e se tonar líder de vendas nos EUA, superando outras concorrentes do ramo pornográfico como a Playboy. O seu criador torna-se um milionário excêntrico (muito bem retratado no filme por Woody Harrelson).
Flynt representa, na vida real, o estilo de vida que sua revista promove. Ao mesmo tempo em que leva uma vida regada de festas, sexo e dinheiro, ele também transforma-se no principal alvo dos setores mais conservadores da sociedade americana, principalmente dos mais religiosos. O ponto de virada da sua vida acontece quando, saindo de um dos vários julgamentos em que a revista era processada, ele é alvejado por um atirador que era contra as publicações da revista. Larry sobrevivia, mas perde o movimento dos seus membros inferiores, e em razão disso assume para si a posição de principal defensor da liberdade expressão.
É a partir daí que se tem início o principal embate judicial do filme.  A pós a publicação de uma sátira do evangélico Jerry Falwell, a revista Hustler é processada por difamação. A matéria consistia numa entrevista falsa que parodiava uma propaganda da Campari e afirmava que a primeira relação sexual do reverendo Falwell teria sido dentro de um banheiro público com a sua própria mãe. O caso se estende por todas as instâncias americanas até alcançar a Suprema Corte.


                O filme discute qual o limite de um dos direitos fundamentais para o exercício da personalidade e para preservação da dignidade humana, a liberdade de expressão.  Flynt, em uma de suas falas, afirma “estou sendo culpado por mau gosto”; mais à frente, o seu advogado reforça “é uma questão de gosto não de lei”. Nesse sentido, o debate do filme seria até que ponto você pode punir juridicamente uma opinião, mesmo que ela seja uma sátira, afirmando que ela representa uma brincadeira de mau gosto ou que ela lhe causou danos .
                A discussão trazida por “O Povo contra Larry Flint” é muito importante para compreensão das liberdades civis que cada um possui e para consolidação de uma sociedade democrática.  Com base nessa obra, é possivel dar uma nova análise a acontecimentos recentes, como o caso das exposições do Queermuseu e do massacre no Charlie Hebdo.
Afinal, até onde vai o livre exercício da liberdade de expressão? Larry Flynt responde esse questionamanto parafraseando uma frase de George Orwell: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”.


Ficha Técnica
Título original: The People vs. Larry Flynt
Ano: 1996
Direção: Milos Forman
Origem: Canadá/Estados Unidos                                            
Gênero: Biografia/Comédia/Drama
Duração: 129 minutos

                             





Juan Lucas de Oliveira Melo
2° Período – Direito UFRN