terça-feira, 13 de dezembro de 2016

“Como Eu Era Antes de Você” (2016) e um breve comentário acerca do direito de morrer

“Me before you”, ou, em português, “Como eu era antes de você”, foi, sem dúvidas, um dos filmes de romance mais esperados do ano de 2016. No entanto, mesmo que você não seja um admirador do gênero, não deixe de assisti-lo! A película proporciona aos seus espectadores um saldo de gargalhadas superior ao de lágrimas.
Baseado no Bestseller de Jojo Moyes, o filme conta a história de Louisa Clark (Emilia Clarke), uma jovem de 26 anos, acomodada com sua vida em uma cidadezinha no interior da Inglaterra. Louisa vive um relacionamento de seis anos com Patrick (Matthew Lewis), um obcecado pela saúde física e corporal, que não parece manter interesse por ela, o que é recíproco. Em relação à vida profissional, Lou trabalha em um mesmo café há anos, que não lhe garante nenhuma ascensão para o futuro e nem lhe paga muito, mas no qual ela se mantém pelo simples fato de gostar de conversar com os clientes, além de precisar ajudar seus pais com as despesas de casa, onde mora também com o seu avô, e sua irmã mais nova superdotada, Katrina (Jenna Coleman). Claramente, Lou vive uma vida baseada no comodismo – desmotivada a mudar a situação em que se encontra, aceitando-a e, inclusive, não a enxergando como sendo tão ruim.
Entretanto, logo no começo da narrativa, as coisas começam a mudar. O conforto de Lou começa a ser quebrado por uma série de acontecimentos, sendo o primeiro deles o fechamento do café em que trabalhava. Frente à situação financeira de seus pais, e à impossibilidade de sua irmã ascender em uma carreira devido ao nascimento de seu filho, Thomas, Louisa vai à agência em busca de um novo emprego. Após diversas tentativas, aparece-lhe a oportunidade de tornar-se cuidadora de um tetraplégico por seis meses, com um salário bem acima dos regularmente oferecidos. É assim que Louisa Clark começa a trabalhar na Granta House, mansão dos Traynor, e conhece William Traynor (Sam Claflin) – um jovem de 35 anos que se torna tetraplégico após um acidente com uma motocicleta.
Antes do acidente, Will era CEO de uma grande empresa, morava em Londres e passava seu tempo livre realizando viagens longas para praticar esportes radicais com sua, na época, namorada, Alicia (Vanessa Kirby). Agora, Will se vê limitado a uma cadeira de rodas, impossibilitado de fazer as coisas que mais gostava, possuindo dias repletos de dores e espasmos musculares, o que o torna um sujeito mal humorado e infeliz. Sendo assim, os seus primeiros contatos com Louisa não poderiam ser diferentes: frente ao esforço de Lou para ajudá-lo ao máximo, Will sempre lhe responde com cortadas, deixando claro que sua presença não é necessária – e nem desejada. Nesse meio-tempo, Louisa cogita desistir do emprego, mas, frente à insistência da mãe de Will, Camilla Traynor (Janet McTeer), Louisa persiste, começando a tratar Will da mesma maneira como ele a trata: de forma sarcástica e grossa.
A partir desse momento, uma relação começa a ser firmada. Lou e Will começam a fazer diversas atividades juntos, como assistir filmes ou conhecer pontos turísticos da cidade, e, lentamente, começam a ser mais abertos um com o outro. Louisa começa a entender quão ruim é a situação de Will – tanto pelo fato de ele ter vivido uma vida completamente diferente da que é vivida por ele após o acidente, quanto que a sua situação é biologicamente irreversível. Já Will começa a perceber que por baixo de todas aquelas roupas excêntricas e expressões faciais características de Lou, há uma pessoa inteligente e com potencial, que, no fundo, não possui motivo algum para manter-se presa a uma carreira sem ascensão e a uma vida tão conformada.
A relação das personagens vai ficando mais sólida, até que Lou descobre os planos de Will de ir à Suíça e realizar suicídio assistido – morte induzida, realizada, geralmente, em doentes terminais, por decisão deles mesmos. É aqui que entra o principal debate sobre o filme: há quem sustente, de maneira maldosa, que a mensagem do filme é mostrar que é melhor para uma pessoa morrer do que precisar de um serviço que a ajude a viver. O entendimento buscado por Jojo, no momento em que escreveu a história, no entanto, é justamente mostrar que não pode haver tamanho preconceito voltado às pessoas que, em tal situação, optam pelo fim da vida. É exatamente nesse sentido que a autora nos traz um exemplo específico de um tetraplégico cuja personalidade não é composta apenas por seu caráter, mas também pelas suas predileções – e era uma vida baseada em seus gostos a vivida por Will, praticando esportes radicais e conhecendo o mundo, o que não mais podia fazer na situação em que se encontrava. Tal discussão se encontra, portanto, intrinsecamente ligada ao direito: a realização do suicídio assistido, por parte de Will, nada mais seria do que o seu acesso ao sustentado direito à morte digna, a escapatória de uma vida que ele não mais considerava como “sua”, mas como a única forma de vida permitida pela sua situação física.

Frente a tal situação, Louisa busca a realização de milhares de atividades que possam fazer Will Traynor mudar de idéia, e se sentir vivo novamente. O que não é esperado por Lou é que Will também a ensina, mostrando que ela possui toda a capacidade de sair de sua zona de conforto, fazer coisas novas e experimentar novas sensações.
É esse o espírito principal do filme, que pode ser indicado para pessoas de qualquer faixa etária e com qualquer gosto. “Como eu era antes de você” não é um “romance garoto-garota clichê” com um pouco de comédia no meio. Mais do que isso, o filme traz-nos uma lição de vida – uma lição sobre o amor, a caridade, a empatia e o preconceito. Mostra-nos como duas pessoas em situações totalmente diferentes podem afetar a vida uma da outra de uma forma extremamente positiva e revolucionária. E mais: ensina-nos que o conceito de vida vai muito além da simples sobrevivência – não basta que se respire para estar vivo.
Você está vivo?
“Você só vive uma vez, é sua obrigação aproveitar a vida da melhor forma possível.” Jojo Moyes.

Amanda Abreu
3° Período – Direito UFRN

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

“Urso Branco”, da série Black Mirror, e a espetacularização do Direito Penal

Para quem não conhece, “Black Mirror” é uma série de televisão britânica que passou a ter alcance internacional após ser inserida no Netflix. Atualmente, a série é composta por três temporadas de episódios independentes, apresentando cada um deles uma sátira à sociedade contemporânea, com enfoque nas consequências que o desenvolvimento desenfreado de novas tecnologias pode vir – ou já veio – a trazer.
Na análise aqui presente, trataremos do segundo episódio da segunda temporada da série, intitulado de “Urso Branco”. Neste capítulo, a série traz-nos a história de Victoria: uma mulher que acorda em um quarto, sem lembrar quem é e como foi parar ali. Atordoada, Victoria procura alguém de quem possa extrair informações sobre si, no entanto, ao sair na rua, observa estar sendo filmada por todas as pessoas que por ela passam, às quais pede ajuda, mas estas parecem não escutá-la.
No desenrolar da história, Victoria passa a ser perseguida por pessoas que parecem estar usando fantasias, cada qual portando uma arma diferente – serra elétrica, espingarda, taco de baseball, etc. Em sua fuga, a protagonista conhece uma jovem que está na mesma situação que a sua. Essa nova personagem explica a Victoria que alguns meses antes, uma espécie de “sinal” em forma de peça de quebra-cabeça foi transmitido para todos os dispositivos que possuíssem uma tela, e desde então todas as pessoas atingidas por este passaram a viver como telespectadores do que acontecia com as pessoas que não foram por este afetadas. Outra parte dos atingidos tornou-se caçadores daqueles que não foram acometidos pela lavagem cerebral. As duas personagens passam, portanto, a ter como objetivo chegar a uma base chamada de “Urso Branco”, onde não podem ser encontradas pelos seus caçadores.


Assim, uma série de acontecimentos angustiantes ocorre na jornada das duas a Urso Branco, sendo perceptível o sofrimento de Victoria frente a cada um deles. Mesmo com todo o seu tormento, continuam as pessoas filmando-a de longe, enquanto sofre. Ao fim da história, uma reviravolta acontece: todo o desenrolar da história estava sendo filmado e transmitido em uma espécie de “show”. Descobre-se, então, a identidade da protagonista: Victoria Skillane foi condenada, juntamente com o seu marido, Iain, pelo brutal assassinato de uma garotinha de nome Jemima, que carregava um urso branco. Pior: todo o ato, de maneira fria e calculista, foi filmado por Victoria com o seu celular. Enquanto aguardavam o julgamento, o seu noivo cometeu suicídio, o que foi considerado pela sociedade como uma pena leve e injusta. Para evitar que Victoria cometesse o mesmo erro, esta foi sentenciada a uma vivência onde será observada, fotografada e filmada todos os dias por um grupo voluntário de pessoas, enquanto luta pela sua vida – é a espetacularização de sua pena.

De fato, parece uma história fictícia, de realidade muito distante do mundo atual. Mas lamento dizê-los que não o é.
O “Direito Penal do espetáculo” é um fenômeno muito observado na atualidade, quando o fascínio pela punição e a repulsa pelos infratores fazem com que a ideia de “bandido bom é bandido morto” apareça como remédio para os mais variados problemas sociais. Nesse sentido, parece clamar a sociedade à jurisdição por penas cada vez mais severas, por vezes desproporcionais ao ato delituoso cometido pelo indivíduo que está sendo julgado, o que faz deste julgamento um objeto privilegiado de entretenimento.
Aliado ao fenômeno da realização de “justiça com as próprias mãos”, a espetacularização do Direito Penal cria situações como a demonstrada de forma brilhante no episódio em questão, quando a sociedade reprova veementemente o ato de ter Victoria gravado o assassinato cometido por ela e seu marido, mas tortura-a e grava-a de forma igual. Nessa árdua busca da sociedade por uma punição exorbitante, parece ser esquecida a humanidade do agente que cometeu o fato delituoso, estando a coletividade, assim, propondo que seja feito para com o condenado o próprio ato que leva esta coletividade a condená-lo.


É indispensável, portanto, o episódio em questão para uma reflexão acerca desta “sede por justiça” – será que esta justiça será atingida por meio da retribuição do mal de forma igual? Ou encontra-se a sociedade simplesmente clamando para que mais um ente de seu corpo sofra?

Amanda Abreu
4° Período – Direito UFRN

domingo, 11 de dezembro de 2016

Osso duro de roer

Repetindo (e expandindo) o sucesso do primeiro filme, Tropa de Elite está de volta. Novamente dirigido por José Padilha, Tropa de Elite 2 – o inimigo agora é outro aborda outros componentes da criminalidade. A corrupção na polícia e na política são a bola da vez, tratados de forma bastante impactante. Nas palavras do diretor,  ”O filme trata da relação entre segurança pública e financiamento de campanha. Faz ligação entre a segurança e a política”.
A questão dos direitos humanos e do garantismo penal também está presente no filme, personificada na figura de Fraga (Iradhir Santos), um militante da causa, que enfrenta os métodos e símbolos do Bope. É interessante como, ao longo do filme, as ideias acerca dessa questão são tratadas. Mesmo para quem tem alguma leitura sobre o pensamento de Beccaria ou sobre a noção do Direito Penal Mínimo, tais teorias parecem pequenas ante à complexidade das situações apresentadas. O respeito à dignidade dos apenados é comumente ignorado, e ainda mais comumente aplaudido pela sociedade. Uma visão pragmática tende a minimizar a importância dos direitos humanos, pelo menos em casos extremos. Do outro lado, há a voz que clama pela valorização desses direitos, há a visão que enxerga a possibilidade de se garantir a dignidade humana em toda e qualquer situação, sem que isso implique a fragilidade do sistema penal.
Mais sólido do que desejaria o Capitão Nascimento (Wagner Moura), o “sistema” está construído sobre o alicerce da corrupção – outra problemática analisada no longa. É uma situação generalizada, que envolve policiais e políticos e castiga a sociedade. A rigidez e força das mílicias é apresentada de maneira surpreendente e chocante. Compactuam com elas a mídia, os parlamentares e governantes. Compactuam também os cidadãos, público da mídia alienadora e eleitores dos políticos bandidos. Acontece na vida, acontece nos filmes, e é osso duro de roer.

Por: Hermano Faustino

Miss representation

"Miss representation” já inicia acertando no título, o qual traz um trocadilho excelente entre as ideias de representação ideal e representação errônea, como se a vida fosse um macrocosmo do concurso “Miss Universo”, em que as mulheres estão em eterna competição umas contra as outras pelo prêmio do príncipe-encantado-macho-alfa-provedor.
A ex-atriz e diretora Jennifer Siebel Newson traz como fio condutor do documentário a sua experiência pessoal, ao narrar sobre suas dificuldades e desafios como mulher e profissional, principalmente no que toca a pressão de ser constantemente julgada por sua beleza e não pela sua competência. Nesse sentido, Newson questiona a excessiva objetificação/coisificação e sexualização de mulheres nas mídias e artes (televisão, cinema, marketing, literatura, imprensa, artes plásticas, dentre outros meios), concluindo que a arte representa a vida, mas que a vida imita a arte, ou seja, nós absorvemos e somos reflexos daquilo que consumimos, e, dessa forma, ao engolir estereótipos, vomitamos estereótipos. A gravidade se dá quando ao repetir de forma taylorista estereótipos, sem refletir sobre eles, criamos produtos culturais e discursos herméticos, deixando pouco espaço para novas representações.
É exatamente sobre isso que se dá a crítica do filme, ou seja, sobre o modelo de representatividade de mulheres e meninas em nossa sociedade, o qual influencia diariamente a percepção de nosso papel ao difundir (inclusive pelas próprias mulheres que perpetuam o sexismo) uma representação limitada e depreciativa das mulheres, na qual beleza, juventude e sexualidade se tornaram mais importantes do que intelecto, liderança, capacidade e caráter, e o pouco espaço deixado para repensar esse modelo pré-estabelecido. Garotas são diariamente bombardeadas pelas mídias com imagens do que representa uma mulher ideal e, diante da impossibilidade de se encaixar nesse modelo (uma utopia dentro de uma sociedade machista, cheia de retoques, botox e photoshop) e da dificuldade em desconstruí-lo, ao serem reiteradamente objetificadas se auto-objetificam e desenvolvem transtornos alimentares e psicológicos, que culminam muitas vezes em suicídios.
A respeito especificamente da sétima arte, o documentário se debruça sobre os estereótipos propagados por Hollywood e pelos enredos da Disney, os quais são repetitivos ao retratar os homens como heróis e as mulheres como decorativas de historias romanescas, sempre em busca ou a espera do seu príncipe encantado, muitas vezes abordando conflitos com outras mulheres pela disputa do “príncipe”, o que reforça a visão das mulheres como inimigas naturais e incita a competitividade feminina. Além disso, ao retratar mulheres líderes e poderosas sempre as mostram como más, amargas e “solteironas”.
A verdade é que a idade de ouro das mulheres no cinema foi o movimento “Fim Noir”, principalmente no que tange à criação da personagem mais subversiva da época, qual seja, a Femme Fatale, um ataque aos valores sociais dominantes cuja expressão se dá através da chamada “família padrão”. A Femme Fatale vai de encontro ao estereótipo da mulher representada no cinema clássico de Hollywood, no qual as mulheres eram seres passivos, que só atingiriam a felicidade se estivessem em um lar sob a tutela de um homem e com filhos, caso contrário, estariam fadadas à vergonha e solidão. É nesse contexto progressivo, desta forma, que se pôde aferir a importância da Femme Fatale no processo de emancipação da mulher, em detrimento da visão falocêntrica do mundo até então dominante na vida e na arte, ao ser embrião de um novo modelo de mulher norte-americana, e com isso remar contra a maré das mocinhas alegres dos musicais hollywoodianos, típicos do American Way of Life. “Não se fazem mais personagens como antigamente”.
(Voltando ao documentário…)
Tendo como enfoque a sociedade norte-americana, o documentário conta com o depoimento de mulheres importantes para a política e cultura dos EUA, como a exsecretária de Estado Condoleezza Rice, a comediante Margaret Cho e a atriz Geena Davis, e aborda a ridicularização que muitas vezes as mulheres líderes sofrem ao ser alvo de piadas, sexualizadas ou por ter sua competência desacreditada, tendo como exemplo Hilary Clinton (“a qual deveu sua candidatura à presidência ao seu ex-marido”), Dilma Roussef (ex-presidenta do Brasil, mas que na verdade “não passava de uma secretária de Lula” e que precisou ouvir diversas piadas a respeito de sua sexualidade por não ter um marido: “já pensou que louco?”), Sara Palin (ex-candidata à presidência dos EUA que foi extremamente sexualizada), dentre milhares de outros exemplos, reflexos de uma socialização de gênero que acredita que a política e a liderança são atividades masculinas, ocasionando uma verdadeira “aniquilação simbólica”.
Essa ridicularização de figuras poderosas femininas resulta na ausência das mesmas, ilustrada na ínfima representação política feminina (mesmo com as cotas eleitorais de gênero para candidaturas femininas de forma a estimulá-las) o que acarreta um problema gravíssimo: “you cant be what you cant see”, ou seja, ausência de representatividade, alguém em quem se espelhar, uma fonte de inspiração para a menina que tem sonho de ser líder politica mas que por ouvir a vida inteira que não tinha capacidade para isso por ser “coisa de homem” se conforma em ser “bela, recatada e do lar”, no máximo uma primeira dama. É preciso ensinar as nossas filhas a serem as suas próprias modelos, serem a mudança que querem ver no mundo.
Nesse sentido, recomendo fortemente o documentário, por ser um convite à desconstrução desse modelo de representatividade feminina, dessa cultura machista que engolimos diariamente sem nem mesmo digerir, ou seja, um convite à digestão, à reflexão e à desconstrução para uma posterior reprodução de discursos mais igualitários, seja ao nos educar diariamente ou ao educar os nossos filhos e filhas, os quais serão igualmente reprodutores das narrativas (l)imitativas de gênero, caso não as expandamos (dentro e fora).
Ana Luiza Tinoco – Potiguar, atualmente morando em Portugal. Mestranda em Ciências Criminais na Universidade de Coimbra, com foco em criminologia feminista e questões de gênero.